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ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH - Memria e Narrativas nas Religies e nas Religiosidades. Revista Brasileira de Histria
das Religies. Maring (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850. Disponvel em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
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A Teologia da Libertao na Amrica Latina: contexto histrico e teolgico do
surgimento
Eliane Silva*
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Resumo. Por volta da segunda metade do sculo XX, surgiu no Brasil e na Amrica Latina, um movimento catlico e cristo intitulado Teologia da Libertao. Esse movimento, dado o
contexto social e poltico da poca, foi formado, principalmente, por telogos, religiosos e
leigos que assumiram um pressuposto terico baseado em passagens bblicas, sobretudo, no Livro do xodo e em conceitos disponibilizados pelas cincias sociais, inclusive marxistas.
Essa nova forma de fazer teologia apontava a opresso em que viviam os povos menos
favorecidos, em prol daqueles que eram mais ricos e, pregando a mudana total desta prxis.
Palavras-chaves: Teologia da Libertao, pobres, opresso, liberdade.
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Introduo
Primeira construo terica da f crist elaborada no ento chamado Terceiro
Mundo, a Teologia da Libertao tinha como objetivo apresentar a liberdade como
contraponto opresso, considerando que essa temtica era de uma importncia
religiosa universal. Na sua forma de se estabelecer como teoria e prtica, valeu-se de
uma combinao de conceitos utilizados pelas cincias sociais com ideias bblicas e
teolgicas.
Pela sua forma hbrida, no entanto, criava um obstculo inicial sua definio,
alm do que, no poderia ser comparada teologia sistemtica clssica. Isso porque,
comportava no seu bojo, vrias teologias da libertao: teologia da libertao negra
(CONE, 1969); teologia judaica da libertao (ELLIS, 1987); teologia da libertao
asitica (SUH KWANG-SUN, 1983); teologia da libertao latino-americana (HAIGHT,
1985). Alm dessas, havia tambm a chamada teologia poltica, influenciada pela escola
de Frankfurt de sociologia crtica, a qual poderia ser descrita como uma teologia da
libertao para a sociedade capitalista ocidental (METZ, 1969).
Essas vrias teologias compartilhavam pressupostos sobre a necessidade de a
teologia contempornea ser orientada por trs valores:
* Historiadora e Mestranda em Teologia na PUCRS lilifee2@gmail.com
ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH - Memria e Narrativas nas Religies e nas Religiosidades. Revista Brasileira de Histria
das Religies. Maring (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850. Disponvel em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
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a) a anlise da opresso e sua correspondente forma de libertao
b) o emprego da anlise de teorias sociais como um corretivo para o modo
privatizado da teologia tradicional
c) o uso do paradigma da libertao do Livro do xodo
No se poderia afirmar com certeza se os telogos da libertao, por exemplo,
estabeleceram ligaes textuais com o estilo utilizado por Marx, mas as semelhanas
quase faz arriscar um sim. A recomendao da Igreja por um estilo subjetivo de pobreza,
foi substituda na Teologia da Libertao, por uma objetiva opo pelos pobres.
Convm lembrar que nesta teologia, o Livro do xodo ocupou um lugar central e
paradigmtico na promoo do esforo cristo para quebrar os grilhes da opresso,
onde f e poltica estavam juntas, ou seja, o fato poltico e o evento teolgico
caminhavam juntos. Encarado do ponto de vista do prprio processo de libertao, o
Livro do xodo identificava dois momentos: libertao da opresso do fara e
libertao para a Terra Prometida. esse paradigma que orientava grande parte desta
Teologia da Libertao. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 762)
Segundo os prprios telogos, o movimento teve no Conclio do Vaticano II e no
seu chamado a estar atento aos sinais dos tempos, as suas bases. O Conclio, alm de
valorizar as transformaes polticas e sociais do mundo moderno, incluiu uma
dimenso social na salvao. A perda da confiana, por parte de alguns setores da
Amrica Latina, no desenvolvimento ou no progresso moda europeia ou dos Estados
Unidos, tambm contribuiu para a formao e surgimento dessa nova teologia, que se
tornava pblica e uma bandeira de lutas envolvendo movimentos sociais.
Para alguns autores, no entanto, a sua origem est em acontecimentos que
remontam a um tempo bem mais distante que a segunda metade do sculo XX. H
historiadores, como Dussel, por exemplo, que, na sua anlise, parte de uma
hermenutica j relacionada ao prprio descobrimento, considerando os indgenas como
os primeiros pobres que foram fabricados com a chegada dos espanhis e portugueses
na Amrica Latina.
Antecedentes mais remotos
A Histria da Igreja no Brasil, por exemplo, segundo Hoornaert (2004), esteve
aberta a duas interpretaes bsicas e irreconciliveis. A primeira interpretao,
decorrente da atitude dos colonizadores originais, poderia ser sintetizada nas palavras de
ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH - Memria e Narrativas nas Religies e nas Religiosidades. Revista Brasileira de Histria
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D. Joo III a Tom de Souza, o primeiro governador geral do Brasil ao dizer que o
principal motivo que me levou a colonizar o Brasil converter os povos que l vivem
nossa santa f catlica. Uma segunda interpretao seria atribuda s pessoas que
sofreram as consequncias das necessidades de mo-de-obra por parte dos
colonizadores europeus.
Foram em sua maioria os ndios, os africanos trazidos como escravos
e seus descendentes j nascidos escravos no Brasil. Segundo o cronista Claude DAbbeville, um velho ndio chamado Mombor-
Uau relatou aos cronistas franceses no Maranho em 1612: Os
portugueses mandaram buscar seus padres, que chegaram e ergueram
cruzes e comearam a ensinar o nosso povo e a batiz-lo. Mais tarde, os portugueses disseram que nem eles nem seus padres podiam viver
sem escravos para servi-los e trabalhar para eles.(BETHEL, 2004)
A expanso dominadora da Europa sobre o mundo perifrico que comeara com
a Espanha e Portugal, depois, daria lugar Holanda, Inglaterra, Frana, etc. Porm,
antes da conquista e comeo da evangelizao, podia-se dizer que j havia no Brasil e
na Amrica Latina uma reflexo teolgica dos povos que ali habitavam.
Quando referi, anteriormente, que para alguns autores, as origens da Teologia da
Libertao remontavam a um tempo bem mais antigo, isso fica mais evidenciado
quando Dussel, por exemplo, sustenta que tal nascimento se deu com Bartolomeu de
Las Casas (1484-1566), ao adotar uma viso menos ideolgica do que seus
companheiros de conquista ou evangelizao. Isso se deu em 1514. Diz-se dessa
converso, que ele percebeu com maior clareza o que estava ocorrendo, ao reler o
Eclesistico, cap. 34, onde dizia a oferenda daquele que sacrifica um bem mal
adquirido maculada. Aquele que oferece um sacrifcio com os bens dos pobres como
o que degola o filho sob os olhos do pai 1 A partir de ento, passou a justificar a guerra
de libertao dos ndios contra os europeus. Escreveu tratados teolgicos, incluindo uma
prxis de defesa e libertao dos ndios, exercendo uma teologia no-acadmica, at
porque nessa poca ainda no existiam tais sedes de estudos na Amrica Latina, o que
s viria a ocorrer alguns anos depois.
Em 1553, na cidade do Mxico, o professor Francisco Cervantes de Salazar, mestre de retrica e eloquncia, abre cursos universitrios de teologia.
Essa inaugurao acadmica da teologia, num claustro que outorgava
1 DUSSEL, Henrique. Teologia da Libertao: um panorama de seu desenvolvimento. Rio de
Janeiro: Vozes, 1997, p. 25
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ttulos como os das universidades de Alcal e Salamanca, o incio formal de uma tradio que durar dois sculos e meio. Na realidade,
em 1538, os dominicanos abriram em seu claustro de Santo Domingo,
as primeiras ctedras de teologia para seus alunos. Em 1 de julho de 1548 os dominicanos fundavam igualmente a referida ctedra em
Lima. Pouco antes, em Tiripeto (Michoacn), o clebre agostiniano
Alonso de Vera Cruz fomentava igualmente a teologia no Mxico.
No obstante, atravs da cdula real de Felipe II, de 21 de setembro de 1551, e da bula correspondente, eram fundadas as universidades de
Lima e do Mxico. (DUSSEL, 1997, p. 26)
Nesse sentido, inclusive, devemos considerar como Portugal influenciou no
Brasil a partir da sua universidade de Coimbra. Aqui, a presena dos jesutas teve um
peso marcante na formao da conscincia da Igreja do Brasil colonial. Mas, como o
Brasil no teve uma guerra de emancipao nacional e o rei de Portugal foi quem
fundou o imprio, a crise que assolaria a Amrica espanhola, no se fez presente em tal
dimenso neste pas, mas, ao mesmo tempo, os ares novos que l sopraram, no
sopraram por aqui to cedo. A histria, no entanto, seguiu seu curso e trouxe para todos
o sculo XX com seus desafios, esperanas e problemas.
Antecedentes mais recentes
No mbito protestante, o movimento ecumnico reclamado especialmente pela
sia e a frica, culminou na criao do Conselho Mundial de Igrejas. Dos Estados
Unidos, o Evangelho Social foi trazido para a Amrica Latina, pelo pastor presbiteriano
Richard Shaull, que influenciou Jaime Wrigt, companheiro do Cardeal Dom Evaristo
Arns nas aes por justia e paz no movimento Brasil Nunca Mais, e influenciou
tambm Rubem Alves, um dos primeiros telogos que iria escrever sobre libertao no
sentido que corresponderia Teologia da Libertao.2
Durante essa trajetria, no entanto, diversos fatos importantes favoreceram,
direta ou indiretamente, o surgimento da Teologia da Libertao3. Entre eles,
2 SUSIN, Luiz Carlos. Enciclopdia Latino americana, Teologia da Libertao, verbete. Texto cedido
pelo prprio autor, a ser ainda publicado. 3 Conforme Suzin, ...considerava a revoluo um momento importante da libertao, mas tal expresso, nascida fora da Amrica Latina, pelas dificuldades de superar as ambiguidades que porta, sobretudo em
termos de violncia, no foi abraada. Com o texto Da Esperana de Rubem Alves, em seu exlio de
Nova York, com os estudos de Miguel Bonino, com os artigos candentes do telogo e socilogo Hugo
Assmann em exlio no Chile (e depois em Costa Rica), e, sobretudo, com o livro programtico do telogo
peruano Gustavo Gutirrez, que j tinha assessorado a assembleia de Medelln, a palavra bblica
libertao ganhou o consenso de ser a melhor expresso, mais abrangente, mais significativa e operativa,
para abrigar a elaborao teolgica que corresponderia condio histrica e aos desafios do cristianismo
latinoamericano. SUSIN, Luiz Carlos. Enciclopdia Latino americana, Teologia da Libertao, verbete.
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poderamos citar a crise de 1929, as duas Guerras Mundiais, e o prprio contexto da
poca, que propiciaram o surgimento de diversos movimentos sociais populares. Um
desses primeiros grandes movimentos foi a Revoluo Mexicana de 1910, embora,
posteriormente, orientada pela burguesia daquele pas. Nesse momento, ainda,
pre3ciso no esquecer da Ao Catlica e outras instituies semelhantes4, que se
propunham a constituir a formulao terica de uma teologia chamada nova
cristandade. 5
Tais circunstncias refletiam uma eclesiologia hierrquica, que inclua a
participao dos leigos, mas uma participao parcial, concedida, digamos, de cima. o
tempo do Estado como sociedade perfeita junto a uma Igreja que tambm se
considerava perfeita. Sendo ambos, ento, to perfeitos, um pacto no s seria natural,
como possvel.
Estavamos diante de uma teologia que distinguia o temporal do espiritual e se
organizava deixando ao leigo a responsabilidade pelo mundano, material e poltico; ao
sacerdote a incumbncia de ser o homem do espiritual, o vigrio do reino de Cristo. A
grande tarefa, portanto, era a de reconverter as naes latino-americanas em naes
catlicas. Essa teologia da nova cristandade, mais uma vez, no era acadmica, mas
sim, militante. Convm alertar, ainda, que mesmo nos tempos que sucederam II
Guerra Mundial, essa produo teolgica continuou a ter um rosto europeu, no
existindo, ainda, um conhecimento histrico nem real da Amrica Latina. Pelo menos,
assim era pregado.
Texto cedido pelo prprio autor, a ser ainda publicado. 4 Em mbito catlico pode-se mencionar a Ao Catlica especializada: JOC/JUC/JEC/JAC, iniciada por
Josef-Lon Cardijin na dcada de vinte, com o novo esprito do catolicismo social progressista de origem
francesa e belga; o pensamento que se tornou escola em torno de Humanismo e Economia do dominicano
francs Pe. Louis-Joseph Lebret; os estudos sociolgicos do padre belga Franois Houtart em grande
parte dos pases latinoamericanos; nos Estados Unidos, Dorothy Day, criadora do Movimento dos
Trabalhadores Catlicos, que eram os migrantes e pobres, adepta da teoria econmica do Distributivismo
e do anarquismo cristo como movimento no violento de reinvindicao de direitos, Thomas Merton,
monge muito lido nos meios eclesiais e catlicos da Amrica Latina, que acabou influenciado por
Dorothy Day, tendo Ernesto Cardenal entre seus novios. Cardenal, nicaraguense, se tornaria militante
contra a ditadura de Somoza na Nicargua e Ministro do governo sandinista; a criao do movimento
missionrio dos padres diocesanos Fidei Donum, na dcada de cinquenta, irrigou todos os pases da Amrica Latina com missionrios vindos de praticamente todos os pases da Europa ocidental...Nomes
significativos de telogos da Teologia da Libertao provm desse movimento e dessas congregaes.
SUSIN, Luiz Carlos. Enciclopdia Latino americana, Teologia da Libertao, verbete. Texto cedido pelo
prprio autor, a ser ainda publicado. 5 nesta poca que se efetuar a passagem da teologia tradicional, reflexo das classes abastadas rurais ou
latifundirias, integrista, cujo inimigo era o liberalismo burgus, o comunismo, protestantismo e os
tempos modernos, para a teologia desenvolvimentista, reformista, que assume j o ethos burgus, mas na
trgica posio de ser um capitalismo dependente, na melhor das hipteses.
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Em busca de rosto mais latino-americano
Uma nova situao teolgica tomou forma com o anncio do Vaticano II 6 e a
ocupao de Havana pelas foras revolucionrias de Fidel Castro. Conforme Dussel, a
agora crise da Ao Catlica e a importncia da obra de Jos Comblin sobre o Fracasso
da Ao Catlica (1961), era fruto do colapso do populismo.
A derrubada em 1954 de Arbenz na Guatemala e de Vargas no Brasil,
em 1955 o fim do governo peronista na Argentina, em 1957 o de
Prez Gimnez na Venezuela e o de Rojas Pinilla na Colmbia e em 1959 o de Fulgncio Batista em Cuba, abrem a porta hegemonia
indiscutvel dos Estados Unidos na Amrica Latina. a dcada do
desenvolvimento que ocupar o lugar da teologia da Ao Catlica ou
da Nova Cristandade. (DUSSEL, 1997, p. 51)
Nesse momento de proposta de uma renovao da Igreja com o Concilio
Vaticano II (1962-1965), j havia a organizao da I Conferncia Geral do Episcopado
Latino-americano no Rio de Janeiro, sob a liderana do Monsenhor Larran do Chile, e
do jovem sacerdote Dom Hlder Cmara do Brasil. Anteriormente, em 1958, a fundao
da Confederao de Religiosos da Amrica Latina, CLAR, tinha visado aprofundar os
estudos religiosos em geral. Embora a imitao europeia ainda permanecesse, futuros
telogos iriam estudar na Europa: a primeira gerao de catlicos de preferncia na
Frana e, os protestantes nos Estados Unidos. Nomes como Jos Mguez Bonino
(metodista), Juan Luis Segundo (catlico), Jos Porfrio Miranda, Gustavo Gutirrez,
Hugo Assmann e Enrique Dussel seriam, posteriormente, figuras importantes da
Teologia da Libertao. Essa influncia da Europa nas questes da Amrica Latina se
fazia presente tambm na economia e na poltica, conforme podemos perceber no
seguinte comentrio, ainda na dcada de 1980:
6 Conforme L.C. Suzin, o movimento de renovao teolgica, chamado Renouveau Thlogique ou
Nouvelle Thologie, com seu mtodo de trs pontos, assumiu o que tinha sido represado pelo anti-
modernismo: 1. Uma teologia com retorno s fontes bblicas e patrsticas, 2. Uma teologia em dilogo com a cultura e com a cincia contempornea. 3. Uma teologia com horizonte e preocupao pastoral.
Esta teologia, primeiro silenciada, foi suporte para o Conclio Vaticano II. Em todos os documentos
oficiais do Concilio se refletem e se oficializam os trs pontos, significando uma renovao de
pensamento, da presena e da ao de toda a Igreja. De modo especial os documentos sobre a Palavra de
Deus, fonte da revelao, da verdade religiosa e da salvao (Dei Verbum), sobre a prpria Igreja (Lumen
Gentium) e sobre a sua relao com o mundo contemporneo (Gaudium et Spes) se tornaram uma nova
fonte para a teologia. SUSIN, Luiz Carlos. Enciclopdia Latino americana, Teologia da Libertao,
verbete. Texto cedido pelo prprio autor, a ser ainda publicado.
ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH - Memria e Narrativas nas Religies e nas Religiosidades. Revista Brasileira de Histria
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Esta tendncia transposio terica nota-se nos estudos marxistas, levando, por exemplo, durante uma longa fase, ao estudo da realidade
do Brasil atravs da busca de pedaos de realidade europeia como o
feudalismo, ou de uma sucesso de modos de produo conforme a que foi estudada por Marx na Europa. Mas nota-se tambm entre os
defensores do capitalismo. (DOWBOR, s/d, p. 12)
No h divergncia, de certa maneira, no pensamento do telogo peruano G.
Gutirrez, quando afirma, por exemplo, a certa altura do seu livro
Conceber a histria como processo de libertao do homem perceber a liberdade como conquista histrica, compreender que a passagem
de uma liberdade abstrata a uma realidade real no se realiza sem luta
cheia de escolhos, de possibilidades de extravios e tentaes de evaso contra tudo o que oprime o homem. Este fato implica no
apenas melhores condies de vida, radical mudana de estruturas,
revoluo social, mas muito mais: a criao contnua e sempre
inacabada de uma nova maneira de ser do homem, uma permanente revoluo cultural. (GUTIERREZ, 1975, p. 40)
Importante salientar que com a Revoluo Cubana de 1959, muitos cristos
seguindo o pensamento de Jacques Maritain, passaram para o de Emmanuel Mounier, e,
por conseguinte, para o compromisso revolucionrio, no necessariamente o marxismo,
mas, inspirando-se numa linha de pensamento gramsciana, crtica, antidogmtica.
Mesmo assim, na teologia da revoluo, porm, o rosto do movimento ainda europeu.
Contriburam para a mudana desse quadro, conforme Dussel, a questo do
entendimento da pobreza como verdadeiro testemunho evanglico e a experincia
classista que se originou da Ao Catlica especializada. Uma verdadeira reflexo
teolgica latino-americana, no entanto, seria encontrada na obra de Juan Luis Segundo,
que em 1962 publicou Funcin de La Iglesia em La realidad Rioplatense, utilizando as
cincias sociais como instrumento.
Logo a seguir, ocorreu a primeira reunio de telogos latino-americanos,
convocada pela CELAM (Conselho do Episcopado Latino Americano), em Petrpolis,
Rio de Janeiro, em maro de 1964. Posteriormente, foram convocados outros encontros
que acabaram por preparar o terreno para Medelln, antecedido por um documento
preparatrio que tambm utilizava as cincias sociais como ponto de partida. A inteno
era assinalar os traos sociais, econmicos, polticos, culturais e religiosos da Amrica
Latina que colocavam srios problemas para o cristianismo. O documento foi polmico,
em especial no Brasil e em torno da pessoa de Jos Comblim, que foi taxado de
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comunista pela ditadura militar ento no poder. Dom Hlder Cmara tambm assinava
um documento com outros 16 bispos da periferia, onde, em 1966, declarava que os
povos do Terceiro Mundo constituem o proletariado do mundo atual.
Em 1965, Andr Gunder Frank criticava a teoria do desenvolvimento, dizendo
que a riqueza dos ricos se origina na pobreza dos pobres. Em mbito protestante, mais
ou menos por essa mesma poca, Rubem Alves (presbiteriano), defendia sua tese de
teologia, em Princeton, intitulada Towards a Theology of Liberation, que seria editada,
depois, com o ttulo de Theology of Hope. Seus escritos eram uma crtica soluo
puramente tecnologista ou economicista dos problemas humanos em geral. Para isso,
utilizou dignsticos de H. Marcuse, mas tambm de Paulo Freire, Alvaro Vieira Pinto,
Frantz Fanon, Feuerbach, Marx, Buber, Bloch, Kierkegaard, Heidegger, Nietzsche, H.
Cox, G. Ebeling, J. Robison, D. Bonhoeffer, com crticas a R. Bultmann, K. Barth e J.
Moltmann.
Por sua vez, o documento final da 2 Conferncia, reunida em Medelln, na
Colmbia, descrevia um clima de injustia social dizendo que
Um surdo clamor brota de milhes de homens, pedindo a seus
pastores uma libertao que no lhes vem de nenhuma parte...e
chegam tambm at ns as queixas de que a hierarquia, o clero, os
religiosos so ricos e aliados aos ricos.7
Segundo, ainda, Dussel, o fim da constituio da nova teologia latino-americana,
ocorreu quando foi publicado o livro de Gustavo Gutirrez, em 1971, Teologa de La
Liberacin.
O autor demonstra como essa teologia no obra de algumas pessoas,
mas sim o fruto da reflexo de uma opo da Igreja latino-americana;
a teologia de uma experincia eclesial (desde 1968 de maneira especial) a nvel continental, diferentemente das correntes teolgicas
que dependem de um fundador. (DUSSEL, 1997, p. 72)
Nesse mesmo ano se organizou em Buenos Aires, uma Semana Acadmica sobre
Teologia da Libertao. Em 1972, um encontro na Espanha, com praticamente todos os
telogos da primeira gerao e, ainda, alguns da segunda, como Leonardo Boff, por
exemplo. Nesta oportunidade, na presena de quase 400 telogos europeus, foram
7 SUSIN, Luiz Carlos. Enciclopdia Latino americana, Teologia da Libertao, verbete. Texto cedido
pelo prprio autor, a ser ainda publicado.
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expostas algumas teses da teologia j inicialmente constituda na Amrica Latina.
O movimento, como um todo, sofreu presso de dentro e de fora da Igreja.
Alguns telogos, como Comblim, Assmann e Dussel, entre outros, foram exilados.
Enquanto isso, surgiram novos nomes, tais como Igncio Ellacura e Jon Sobrinho, no
Mxico; Virglio Elizondo entre os chicanos nos Estados Unidos; Ral Vilades,
mexicano, mas trabalhando inicialmente em Lima; Alejandro Cussianovich no Peru,
Rafael vila na Colmbia, Ronaldo Muniz no Chile. Porm, foi a partir da experincia
das Comunidades Eclesiais de Base8, que as obras de Leonardo Boff tiveram enorme
repercusso. Da mesma maneira, Frei Betto, que escreveu entre 1969 e 1971, Das
catacumbas. Cartas da Priso, no Brasil, sob a ditadura militar.
Uma convergncia de acontecimentos acabou por unir as CEBs e a Teologia da
Libertao no Brasil quando em 1974, alguns frades dominicanos que haviam sido
presos, acusados de colaborar com a guerrilha, reuniram-se aos franciscanos de
Petrpolis, local onde residia Leonardo Boff e formaram um grupo de trabalho e estudo,
que inclua religiosos e leigos remanescentes da Ao Catlica, que mais tarde seriam
chamados Emas.
Atualmente, a Teologia da Libertao parece ter se fragmentado em vrias outras
formas de teologia que dizem respeito a grupos que buscam se expressar dentro da
Igreja e da sociedade como um todo. So elas: a teologia afro-americana, ndia,
ecolgica, feminista, de pluralismo e dilogo entre religies, de economia, entre outras.
Referencias
BETHEL, Leslie (org); Histria da Amrica Latina: Amrica Latina Colonial, volume
1. Traduo Maria Clara Cescato.So Paulo: Editora da Universidade de Braslia, 2004.
DOWBOR, Ladislau. A Formao do Terceiro Mundo. SP: Brasiliense, sem data, p. 12.
DUSSEL, Henrique. Teologia da Libertao: um panorama de seu desenvolvimento.
Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
GUTIRREZ, Gustavo. Teologia da libertao. Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
LACOSTE, Jean-Yves (dir). Dicionrio Crtico de Teologia. So Paulo: Loyola, 2004.
8 As CEBs, especificamente no Brasil, tem origem em diversos movimentos: alfabetizao radiofnica
em Rio Grande do Norte; Conversa entre irmos em Recife, com iniciativa de Dom Helder Cmara e
em reao censura da ditadura militar; o Movimento de educao de Base MEB- donde provm o
nome base; os grupos ou crculos bblicos e a leitura popular da Bblia. SUSIN, Luiz Carlos.
Enciclopdia Latino americana, Teologia da Libertao, verbete. Texto cedido pelo prprio autor, a ser
ainda publicado
ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH - Memria e Narrativas nas Religies e nas Religiosidades. Revista Brasileira de Histria
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OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom. Dicionrio do pensamento social do
sculo XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996
SUSIN, Luiz Carlos. Enciclopdia Latinoamericana, Teologia da Libertao, verbete.
Texto cedido pelo prprio autor, a ser ainda publicado.